"No dia seguinte, 16 de novembro de 1908, na residência do jovem médium, na Rua Floriano, 30, em Neves, realizou-se a primeira sessão desse culto, ao qual a entidade deu o nome de Umbanda. Estavam presentes quase todos os membros da Federação Espírita, para verificar a veracidade do que fora declarado na véspera. Os amigos da família, surpreendidos e incrédulos, e também grande número de desconhecidos, enfermos e aleijados, que ninguém saberia dizer como haviam tomado conhecimento do que se passava. E muitos deles ao final da reunião, estavam curados.
Vamos fazer um breve parêntese para focalizar um assunto que tem dado margem a controvérsias: o emprego do vocábulo Umbanda. Diz Matta e Silva, no livro "Umbanda do Brasil":
"Esta complexa mistura, que o leigo chama de macumba, baixo espiritismo, magia negra, envolvendo práticas fetichistas e barulhentas em pleno século XX, era a situação existente quando surgiu um vigoroso movimento de luz, ordenado pelo astral superior, feito pelos espíritos que se apresentavam como Caboclos, Pretos-Velhos e Crianças. Em meio às práticas confusas, desordenadas, fez-se imprescindível , um movimento dentro desses cultos, ou de sua massa de adeptos, lançado através da mediunidade, pelos Caboclo e Pretos-Velhos com o nome de Umbanda. O termo Umbanda que eles implantaram no meio ambiente, para servir de bandeira a essa corrente poderosa, um termo litúrgico sagrado, vibrado, que significa, num sentido mais profundo, o conjunto de leis de Deus. O termo Umbanda foi implantado, há pouco mais de 50 anos pelos espíritos que se apresentam como Caboclos e Pretos-Velhos."
Lembremos, também, o livro de João do Rio, publicado em 1904, onde descreve todos os cultos e seitas e cujas práticas assistiu, não citando, nem uma vez, o termo Umbanda. Mas, voltaremos a 16 de novembro de 1908.
A entidade manifestou-se e determinou as normas do culto, cuja prática seria denominada "sessão" e se realizaria à noite, das 20 às 22 horas, para a cura de enfermos, passes e recuperação de obsedados. O uniforme a ser usado pelos praticantes seria inteiramente branco. O atendimento público é totalmente gratuito. Os cânticos não seriam acompanhados de atabaques, nem de palmas ritmadas.
Fundava-se assim o primeiro templo para o culto de Umbanda, com denominação de "Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade", porque - nas palavras da entidade - assim como Maria acolhe em seus braços o Filho, assim a Tenda acolheria os que nas horas de aflição a ela recorressem.
Através de Zélio de Moraes, além do Caboclo das Sete Encruzilhadas manifestou-se um Preto-Velho, Pai Antônio para a cura de enfermos. Cinco anos mais tarde, apresentou-se outra entidade, o Orixá Malé, para tratar de obsedados e combater trabalhos de magia negra.
A figura de Cristo centralizava o culto. Sua doutrina de perdão, de amor, de caridade, era a diretriz dessa religião, que falava de perto ao coração dos humildes, anulando preconceitos, nivelando o doutor e o operário, o general e o soldado, a senhora e a sua serviçal. Daí em diante, a casa de Zélio de Moraes passou a ser a meta de crentes, descrentes, enfermos e curiosos.
Os enfermos eram curados. Os descrentes assistiam a provas irrefutáveis. Os curiosos constatavam a presença de uma força superior. E os crentes aumentavam dia a dia.
A retribuição monetária pelos trabalhos de cura, de enfermos e obsedados não era admitida, nem mesmo sob forma de presentes. Médiuns que, por receberem entidades que se apresentavam como Caboclo e Pretos eram recusados em centros espíritas, aderiram ao novo culto. Houve manifestações espontâneas de mediunidade. E deu-se a recuperação imediata de enfermos, cuja doença, considerada mental, nada mais era do que manifestação mediúnica.
Mais tarde, iniciaram-se as aulas doutrinárias para o preparo de médiuns que iriam dirigir os sete templos que o Caboclo das Sete Encruzilhadas deveria fundar, como segunda etapa da sua missão: Tenda Nossa Sra. da Conceição, com Leal de Souza; Tenda Nossa Sra. da Guia, com Durval de Souza; Tenda Santa Bárbara, com João Aguiar; Tenda São Pedro, com José Meireles; Tenda de Oxalá, com Paulo Lavois; Tenda São Jorge, com João Severino Ramos; Tenda São Jerônimo, com José Álvares Pessoa e Anírio M. Batista, médium do Caboclo da Lua.
Centenas de Templos foram depois fundados sob a orientação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, no Estado do Rio, em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Sul. Sempre que possível, Zélio participa pessoalmente da instalação; quando o seu trabalho material não o permitia, enviava médiuns capacitados para organizarem e dirigirem as novas Casas.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas nunca determinou sacrifício de aves ou animais para fortalecer o poder do médium, nem para homenagear entidades. O preparo mediúnico baseava-se na doutrina, no ensinamento de normas evangélicas. A água e as ervas eram os elementos ritualísticos usados através de amacis, banhos e defumadores.
O Evangelho era a base do ensinamento da entidade que recomendava, como lembrete constante do que é necessário para a prática correta e leal da mediunidade: não ter vaidade; manter elevado padrão moral; proceder corretamente dentro e fora do templo; prestar socorro espiritual gratuitamente a todos os que dele necessitando recorram ao médium, não aceitar retribuição monetária pelos trabalhos. A única retribuição deve ser a certeza do dever cumprido.
A Umbanda nos ensina a crer num Deus único e absoluto, nos Orixás, forças superiores que atuam nos vários campos de revelação e chegam até nós através dos seus mensageiros, os Guias, trabalhadores dos terreiros de Umbanda; na Reencarnação - a volta do espírito, sucessivamente, à matéria para se aproximar de Deus; na Lei de Causa e Efeito - que nos dá a colheita correspondente ao que semeamos; no amor ao próximo, base da Fraternidade Universal.
A Umbanda indica-nos o caminho a seguir: a prática da mediunidade como missão e nunca profissão; a humildade, a tolerância, a compreensão, o pensamento positivo para nós mesmos e para os nossos semelhantes; a Caridade - Amor espiritual - na palavra e na ação.
Em 1939, o Caboclo determinou que se fundasse uma Federação para congregar os templos umbandistas e que deveria ser o núcleo central do culto. Essa Federação passou a denominar-se, mais tarde, União Espiritista de Umbanda
do Brasil. Dez anos depois, surgiu o Jornal de Umbanda, que durante mais de dois decênios, foi um porta voz doutrinário de grande valor."
Lilia Ribeiro, 1976
Jornal: Na Gira de Umbanda, nº 6
Nenhum comentário:
Postar um comentário